quarta-feira, 4 de abril de 2012

Le paradis des oiseaux muets




Abrir a tua boca, puxar de dentro do curral do dentes a língua, agarrar a língua, esticar a língua de dentro para fora do interior do céu do palato, tentando violentamente descobrir com as ranhuras dos dedos, com o macio das digitais, as palavras que guardadas, perdidas, encruam ou viram quem sabe dissabores no inferno dessas indigestões. Condenar mais a tua boca do que já condenas; isso eu não faria! Eu não fui nascido e criado homem desses feitos, dessas falsas misericórdias pedidas ao reverso das ações fugazes, adestradas.
Passeias pelo mundo, julgando que do mundo as vistas mais atentas nunca te virão, nunca te verão, nunca te enxergarão deflagrando os nós da tua garganta visitada, quando de joelhos, golfas, até o sumo das gosmas mais interiores, numa busca fascinante e dormente de prazeres vorazes, antropofagicamente permitidos, na hora bebida das correntes de álcool, em que manejas o talo das flores mais duras, intumescidas, até os limites da garganta, neste flagelo oral de penetrações nos buracos da fala, em que somente calas e ages, subindo como ondas para afogado até a superfície. Porém marginal, achando que o teto te encobre de Deus, quando ele participa da tua vontade, te pedindo exatamente fala e atenção nessas horas de visitação das cavernas do além amigdalas. Calas a boca, cobres a boca, rangendo os dentes por rancor a estas fendas. E o mundo te grita, te grita, te grita insistentemente nos ouvidos, o pó feito de silêncio e mar, de ruídos e roídos elaborados planos que nunca se somam carne de alma e em ti, somente cansaço, luta injusta, inócua? O que de ti por esta tanta preservação, a pele limpa, os dentes limpos, o asseio dos pêlos arrumados, a veste insinuando decisão e por dentro, a ordem mais profícua e proliferada de danos pavorosamente mais crescentes e enganosos.

Cansar de ti...
Cansar de ti será quem sabe deixar que tu morras engasgado nas pirocas profiláticas que chupas, para depois cuspires, porque nelas faltava a ponta consagrada da alma, que te coloriria de joelhos em benção rendida, de atenção e beleza, enquanto o simples dorme desassossegado dentro das tuas caixas de vocais, condenadas palavras nunca nascidas, nunca nem sequer assumidas no papel.
E o fel que destilas nas tuas infelizes correrias para o quarto dos protegidos, misturas nas comidas, nas palavras do trabalho, nos tediosos compromissos de falar a quem te solicita em hora alumbrada de boa subsistência social. Na aventura performática do teu pau, quando tens saudades apenas, das mãos que tocadas, que já te traziam a beleza do sexo, que uma hora descoberto jamais, será esquecido, ainda que teus gritos mudos e tua exigência!
Temperança para as tuas pernas, para o teu estômago o prazer desigual dos porcos, eu amo os porcos diante da tua anestesiada concepção de ingestão!

Dobrada a palavra, desvirada e rasgada no ar das andorinhas, quem sabe perfumes mais doces não pousariam nas minhas narinas pedindo entrança, quem sabe não dança teu corpo solto no ar novamente, no passeio de caminhos sorridentes até chegar a mim, até o meu abraço, até o meu peito, até o meu jeito mudando o tom, como o tempo jungindo cores e flores nas horas próprias e particulares do dia? Boreal, eu te diria nada além de apertar tuas carnes nas esperanças maiores do espírito. Sazonal, me fumegaria, poro a poro, das listras corridas de pele do teu pescoço, da tua nuca. E arqueada a boca numa concha profundamente patética e ancestral, mamaria os teus lábios como se novamente, primeiro. Naturalmente infante e magistral, sorveria a tua baba, a tua boca, o choque lancinante e elétrico dos teus dentes e perene, me deixaria todo envolver na compreensão, daquilo que é dito apenas nas impermanentes horas da vida. Porque mesmo de dentes trincados, de nada me valeria o segrego, pois meus olhos sempre gritam!

Dizer que não dizer é vantagem, para um homem que flutua, que dança, que passeia pelo escuro da casa e não tem medo de trombar com os móveis norteados ao bem do horizonte, seria redundante. Talvez fosse alguma forma circunscrita de apenas respeitar a tua concepção de silêncio, porque eu, não tenho medo de perder a voz porque me restaria a carranca. Eu ouço as paredes, eu ouço os objetos todos da casa e com eles converso sem que ao menos precise me abraçar à loucura branca dos normais. Eu chego a casa e tudo me fala, tudo me cala na hora de gritar para que possa me ouvir. Existe diálogo efetivo entre nós, nos espaços e vãos dessa convivência, dessa conveniência de estarmos juntos e corroborados em segredo, em respeito e amplidão dos nossos quereres, nossos atos, nossos seres tão amplamente dispersos e contritos, numa comunhão abstrata e constante, quando queremos saber um do outro nessa solidão. Nenhum menino que me tenha arrastado os pés nos carpetes da casa, fora imune das elegias e alegrias soturnas dessa construção. A casa me compreende para eu que eu possa nela morar.
Lembro amplamente de cada rosto que por ela adentrou, cada corpo adentrado também por mim, com as expansivas noções dessa compreensão que tenho toda do meu corpo. Já esporrei nas paredes, abrindo os braços e colando os mamilos na tinta descascada, para que ela pudesse me entender, aceitando, generosa a doação do perfume perpetrado dessas tantas companhias e que têm sozinhas, o seu destino. E isso me comove! Isso me faz certo de que estou pleno de silêncio, vozerio e solidão. Não tenho medo da solidão, ela é quem me faz saber ter calma, para enxergar que parte do corpo alheio precisa ser tocada, que fenda precisa ser lambida, que orifícios mornos precisam ser molhados, que suspensão necessita altear de mim mesmo, para que o peso dos meus ossos, nunca sufoque as carnes, as minhas carnes e as carnes que animam o corpo que vem.
Vou por aí nesse trem de idiossincrasias e sofismadas imagens, vultos nevoentos do teu tempo, para dizer que quando te encontrei, nada mais em mim desejava o teu medo e por isso talvez, o degelo desse teu insuportável cansaço de tentar fugir ao que talvez, nem seja mais nosso, nem seja mais para tanto. Os canais secaram as lágrimas nas bordas dos olhos, a garganta secou, dando lucidez aos teus passos trêmulos e eu, não me emocionei com mais nada. Os teus olhos estranhamente vermelhos de um choro que eu não via, me revoltavam muito mais fazendo do meu corpo porta batida, na tua cara, ferida dos gessos e carmins desse século, do que a compreensão batismal de paternidades sutis por mim outrora ensaiadas. Eu não seria teu pai, eu nunca tive a pretensão de ser teu pai, mesmo entendendo as imbecis projeções a que somos sujeitados, segundo a falida concepção freudiana. Éramos apenas dois, dois homens jogados ao sulco espremido dessa laranja seca, que apenas conservava no fim dessas usuras, a tontura do pêndulo ao chão, a secura da razão das pedras tentando brilhar seus lindos olhos de cor após as pancadas. E nisso não haveria amor?... Não haveria quem sabe a chance de descobertas? E quanto será que sofre o pássaro na muda a espera das novas penas? Se era de sofrimento e paixão o teu medo, diante de minha cara seca, era melhor que volvêssemos as nossas casas e depois de nada forçar o tempo dos ponteiros eflúvios, também não exigir nada do corpo, lancinando o mesmo peso de carne à cama, para esperar, quem sabe, que algum nervo contrito, nos dissesse tão descomprometidamente por onde deveríamos começar a nossa palavração, suspiro primeiro da alma. Ou deixar apenas morrer, na migração fantasiosa e ridícula de imaginados pássaros voando para um céu sem fim, alguma coisa que não fosse coisa, que não tivesse nenhuma obrigação ser ruído e sim apenas silêncio.

O Pornógrafo

2 comentários:

  1. Eu não se eu te bato ou se te beijo...
    Como pode esfregar tantas verdades descaradamente nas caras sujas e lavadas dos que leem?!
    Eu leio,
    me impressiono,
    e me apaixono...
    adoro ler-te pornógrafo.
    bjs

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  2. Mais uma vez O Pornógrafo vem nos surpreender com um texto tão intenso e cheio de sensualidade e poesia.
    As situações nos levam a um delírio pessoal dentro dos nossos universos mais internos e intensos.
    O texto é visceral e apaixonado como toda a obra e personalidade do artista.
    Sensual, sexual e apaixonante.
    Literatura de excelente qualidade.
    Parabéns!
    Beijos!

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