segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Le miroir que Alice a pas




Quando o sol nasceu e eu já estava deitado em minha cama, despojando tudo que me sobrepujava de pesos, ainda assim meu corpo cansado de idéias, pesarosos pomos de frutas que me enfastiavam, pesando sobremaneira o estômago aflito das emoções, pensei em levantar do jeito que estava, caminhar até o lavatório rosado e vomitar.
Vomitaria sem medo de esgoelar os anéis curtidos da garganta as águas todas, tolas, que de mim insistissem em permanecer, estar, como verbo apenas de passagem, que não liga, que não move, que não acrescenta, que não levanta vôos e nem alça lençóis para velejo. E o que vejo, é que este homem assim como eu sou, também tem suas usuras, suas tonturas, seus perdidos pontos de eixo, mas não costuma tanto falar, pelo menos no tom lagrimoso dos pastoris, dos cantores de outrora castrados. Não sou castrado! Nada me castra! Meus colhões são, sobretudo, mornos e quando esquenta a cabeça em conjunção maior com a lua, torrentes pêlos de aloirados vermelhos o queimam e fazem doer, a boa dor do gozo. Sempre gozo, mesmo que acometido de alguma dor.
Vi de mim, do mesmo alto desta cama, o corpo jogado, num abandono, que não pretendo classificar se bom ou mau, porque não sou filho das igrejas e muito menos dos ortodoxos conceitos desses julgamentos. Apenas me vi e me constatei.
A casa vazia, jamais abandonada, deixava nos entres dos espaços e cortinas o meu cheiro, assomado ao muitos cheiros dos tantos fundidos em mim, dos tantos perpetrados, penetrados, dos meus amores e paixões. Era um alarido só, correndo na balsa de ar e vento e silêncio, silêncio, silêncio... Um fragor de inocência correndo pela casa do pornógrafo, como uma criança de cabeça dourada, nua, peste, alegrada pelos arrulhados passarinhos piolhentos do quintal. Encantado com os diamantes de poeiras, qual tumbas de um imenso organeto de catedral e apenas uma janela quebrada, dando alegria ao chão melado de indecências do dia, que ainda deixava suas gosmas tímidas pelo chão da casa.
Era dia de vibrar, de sentir cada poro, de ouvir Maria Callas, “La mama morta” avivando com uivos de pomba, de coruja, de loba traiçoeira, brega, empertigada, de nobreza fedendo sudorípara debaixo dos panos de seda. Era dia de levantar da cama com as dobras do corpo nu, cheirando a tudo que os dias reuniram. Era dia de mansuetude e verbo galopante, peito suspirando, compasso, vão. E erguendo a imensa altura deste corpo meu, sussurrando a pele do meu saco, das minhas bolas protegidas pela pele dos pêlos bravios e longos do meu escroto, eu, que jamais deixaria fugir um só aviso de desejo, pude sentir que de dentro do meu corpo, às minhas pernas, as minhas coxas, o restante inteiro dos meus membros davam bom dia. E me tocando, caminhando de entre abertos dedos marginais pelo solo da casa empoeirada, procurei da sala o carpete mais surrado, mais cheio das marcas dos pés dos visitantes, para os arreganhar num arco inteiro magistral. Quem me visse debaixo, debalde, vacilante, esfregando, com as mãos também gigantes o corpo todo, o peito, o tecido das mãos, as costas das mãos, encontrando na agilidade dos dedos, ajuntados gravetos, que mais estreitados, toras, mastros imaginários que eu chuparia com sabor e sapiência, com pedidos de clemência enviados ao oco do dentro do meu próprio mundo, num segundo, quem me visse do alto de toda esta estrutura, com certeza me diria: __ Esporra, pornógrafo! Explode porra, plasma e leite dentro da minha boca! _ eu sei que eu deitado ali, me diria! E ri, num soslaio de vento guardado no interior da boca. E como uma fruta que se esmaga até o sulco do próprio pomo, fiz de mim nesta toda boa fissura. E se eu pudesse! Ah, seu pudesse! Adoraria nesta hora célebre, divina, ser como os admiráveis contorcionistas dos circos mais pobres, ricos na sua infinita e grandiosa lona furada, suscetível de verdadeiras estrelas e também chuvas, para beber das minhas próprias águas tempestivas. Mas apenas deixei que a minha imagem refletida por mim mesmo, tão generoso, apenas fosse minha, somente meu, o espelho dessa mente amanhecida, no chão do meu carpete empoeirado, até que a fruta perdesse seu contorno, sua pressão tremulada na tensão até gozar, gozar, gozar.
Chorei, sem nenhuma melancolia, ameaçando levar à boca os meus gostos, meus constatados sabores, mas apenas, os esfreguei com carinho de benção, no bico dos meus mamilos de macho duro, dobrado agora em inspiração para dentro agraciada, depois por metade do meu rosto. E calmo, sem pressa, como um felino, tão inteiro e desconstruído, como um menino, caminhei para a minha bacia de banhos.

O pornógrafo

Um comentário:

  1. Tão lindo marcelo, tão tão tudo isso aqui,
    e tão familiar, me lembra algo que eu... eu não sei, talvez possa ser algo dentro de mim tbm

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